sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Momentos decisivos: O que será que vem por aí?

SOFREGUIDÃO UDENISTA:
RESTAM APENAS DUAS CAPAS DE VEJA.


DEPOIS DA SINERGIA ENTRE UM LADRÃO DE CARGA E O 'JORNALISMO' DA FOLHA, O QUE MAIS VEM POR AÍ?

A coalizão demotucana e seu dispositivo midiático atiram-se com sofreguidão em qualquer 'língua negra' que desponte no solo ressequido da semeadura eleitoral demotucanao. Como tem anunciado todos os seus colunistas de forma mais ou menos desabrida, às vezes escancarada, a exemplo de Fernando Rodrigues, da Folha, há uma 'encomenda' em licitação aberta no mercado de compras do denuncismo lacerdista: "...é necessário um escândalo de octanagem altíssima (com fotos e vídeos de dinheiro) ...', especificou o jornalista em seu blog do dia 14-09. Na ausencia de oferta equivalente, usa-se por enquanto o que aparecer. Apareceu um 'empresário' indignado com supostas práticas de lobby, segundo ele, encasteladas na engrenagem da Casa Civil do governo, comandada pela agora ex- iministra Erenice Guerra. A Folha elevou-o à condição de paladino da honestidade. Esponjou-se no material pegajoso derramado da obscura tubulação. Claro, há o Manual de Redação, sobretudo as aparências de uma redação. Muito lateralmente, então, informa-se na 'reportagem-derruba Dilma' que a fonte da indignação cívica que adiciona um novo tempero à mesmice do cardápio diário apregoado pelos Frias inclui em sua folha corrida o envolvimento comprovado com roubo de carga, falsificação de 'notas de cinquenta reais e crime de coação, não detalhado. Há pouco tempo e espaço para detalhes. Nem o mínimo cuidado com a averiguação de valores se observa.O escroque que já cumpriu pena de 10 meses de cadeia, lambuzou a Folha com cifras suculentas e isso era o bastante: a negociata envolveria a 'facilitação' para um empréstimo de R$ 9 bilhões junto ao BNDES , desde que em contrapartida fossem desviados quase R$ 500 milhões a intermediários de uma cadeia supostamente iniciada com parentes ou subalternos da ministra Erenice Guerra para desembocar em caixas de campanha de candidatos do governo. Se a sofreguidão da Folha fosse menor, o jornalista, quem sabe seu editor, quiça o próprio diretor do jornal teriam tido a cautela de verificar a existência no BNDES de projeto e valores mencionados, já que o acepipe oferecido pelo ladrão de carga de tempero remetia à liberação de financiamento barrado na instituição. Se tal fosse a prática, o leitor teria a oportunidade de saber, em primeiro lugar, que os valores relatados são absurdos (equivalem a meia usina de Belo Monte para fornecer 6% da energia que ela prevê); ademais, há discrepância de cifras entre o relato do meliante eo o projeto que deu entrada no BNDES, cujo corpor técnico jamais o aprovaria. Diz a nota do banco divulgada 5º feira,"[o referido projeto]...foi encaminhado por meio de carta-consulta, solicitando R$ 2,25 bilhões (e não R$ 9 bilhões como afirma a reportagem) para a construção de um parque de energia solar. O BNDES considerou que o montante solicitado era incompatível com o porte da referida empresa. Vetou a solicitação. Naturalmente, isso comprometeria um pouco a 'octanagem' da manchete de seis colunas com duas linhas bombásticas saídas da sinergia estabelecida entre a Folha e um ladrão de carga de condimento. Não há tempo para minúcias. Restam apenas duas capas de VEJA para detonar a vantagem de Dilma e tentar uma sobrevida que leve Serra ao 2º turno. Essa é a lógica do que vem por aí. A esposa do candidato, Monica Serra, já diz em campanha de rua que "ela [Dilma] quer matar as criancinhas". Nas redações circulam rumores de que o comando demotucano estaria interessado em depoimentos de parentes de militares mortos em confrontos com grupos da esquerda armada, nos anos 70. Em especial se houver, ao menos, leve insinuação de suposto comprometimento de Dilma Rousseff.
(Carta Maior, 17-09)

Brilhante análise da conjuntura política e do momento eleitoral

Um modelo partidário trazido do atraso
Maria Inês Nassif (Valor)

A "mexicanização" do quadro partidário brasileiro é um debate a ser colocado em devidos termos. A ameaça de que o PT, depois das eleições de outubro, se transforme num Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México de 1929 a 2000, é apresentada como "denúncia". Isso é, no mínimo, um equívoco. A questão merece ser tratada criticamente por todos os atores do cenário político, sob pena de a eleição consolidar, de fato, e por um bom tempo, um único partido com condições de acesso ao poder pelo voto. Essa perspectiva está colocada não porque o PT trapaceou, mas porque a oposição acreditou demais no seu poder de influenciar massas via convencimento das elites. É uma estratégia medíocre de ação política, num mundo onde o acesso à informação tem aumentado e ao mesmo tempo saído da órbita exclusiva da influência dos grandes grupos, e num Brasil onde um grande número de cidadãos-eleitores deixou a pobreza absoluta, outro tanto ascendeu à classe média, a escolaridade aumentou, o acesso à internet é maior e a influência das elites sobre os mais pobres tornou-se muito, muito relativa.
Oposição não mobilizou militância nem formou quadros. Dos partidos na oposição, apenas o P-SOL, em passado recente, e o PPS, quando remotamente era PCB, conseguiram pelo menos formular idealmente um conceito de partido de massas. O P-SOL fracassou porque foi criado na contramão de um crescimento espantoso do PT, partido do qual se originou, e do recuo de setores que, durante o mensalão, ensaiaram abandonar o partido de Lula. Amedrontados com a retórica pré-64 da oposição, esses setores acabaram lentamente retornando à órbita do petismo. O PCB conseguiu a façanha de ser um partido de massas apenas quando tinha um líder carismático, Luiz Carlos Prestes. Como viveu boa parte de sua existência na clandestinidade, é difícil saber se teria vocação para sair da política de vanguarda e ganhar substância em setores mais amplos. O PPS, que o sucedeu, certamente não mostra essa capacidade. O PT continua a exceção no quadro partidário. A estrutura montada pelo partido nacionalmente, quando começava a se perder na burocratização da máquina, foi salva pelo lado popular do governo Lula e pela ofensiva oposicionista. O partido não é mais o que era quando foi fundado, mas é certo que tem uma representação social. As demais legendas, em especial as de oposição, não conseguiram sair da camisa de força dos partidos de quadros. O PSDB, que catalisou a oposição a Lula, e o DEM, com o qual é mais identificado, terceirizaram a ação partidária para uma mídia excessivamente simpática a um projeto que, mais do que de classes, é antipetista. Todo trabalho de organização partidária, de formulação ideológica e de articulação orgânica foi substituído por uma única estratégia de cooptação, a propaganda política assumida pelos meios de comunicação tradicionais. A vanguarda oposicionista tem sido a mídia. Esta, espelhando-se na velha estrutura social do país, tem praticado uma conversa exclusiva com os seus: assumiu um discurso para agradar a elite, que por sua vez perdeu quase totalmente seu poder de influência sobre os menos ricos e escolarizados. Os partidos de oposição e a mídia falam um para o outro. Pouco têm agregado em apoio popular, que significaria voto na urna e, portanto, vitória eleitoral. A ideia de propaganda política via mídia, que para a esquerda pré-Muro de Berlim era uma parte da estratégia de tomada do poder, e para os social-democratas a estratégia de conquista do poder pelo voto, tornou-se a única ação efetiva da oposição brasileira, exercida, porém, de fora dos partidos. Teoricamente, a mídia tradicional brasileira não é partidária. Na prática, exerce essa função no hiato deixado pela deficiente organização dos partidos que hoje estão na oposição ao presidente Lula. E o produto final não é exatamente a agregação de adeptos, mas uma conversa entre iguais, que se autoalimenta de um discurso trazido do udenismo, pouco propenso a conduzir um debate propriamente ideológico. Esse não é um fenômeno pós-Lula simplesmente, embora os dois governos do presidente petista tenham dado grande contribuição a esse descolamento entre a "opinião pública" e a "opinião dos pobres". Logo no início da redemocratização, foi instituído o voto do analfabeto. Ao longo dos dois últimos governos - portanto, nos últimos 15 anos - ocorreram ganhos de cidadania via aumento de escolaridade e renda que, por si só, incentivam a autonomia do voto. Nos últimos sete anos, os programas de transferência de renda reforçaram essa tendência. Esse contingente de novos eleitores ganhou autonomia de voto e se descolou da mídia tradicional. Nesse universo, os formadores de opinião pública - por sua vez formados pela mídia - não têm o mesmo acesso que tinham antigamente. O ingresso dos antigos desletrados na era da informação tem se dado pela televisão - e aí o horário eleitoral gratuito é neutralizador - e um pouco pela internet, mas a decisão política ocorre por ganhos de cidadania. Como a mídia tradicional é a única a operar como "propagandista" dos partidos de centro e de direita que nunca acharam necessário incorporar militância, formar quadros ou mesmo publicizar ideário, é de se supor que a capacidade de formação de consensos da mídia tradicional seja pouco significativa numa parcela do eleitorado que ascendeu recentemente ao mercado consumidor. O bloco oposicionista, que inclui não apenas os partidos, mas a mídia tradicional, não entendeu as mudanças que ocorreram no país. O modelo partidário que trazem na cabeça é um que pressupõe alinhamento automático de parcelas da população com líderes distantes ou donos de votos locais, ou a submissão da "ignorância" popular à opinião formada por iluminados. O novo Brasil não comporta mais isso. Esse modelo de política é elitista, porque não parte do princípio que as pessoas são iguais inclusive no direito de formar uma opinião própria.
Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras no Valor.